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REGRESSO DO SABER

Por: Matheus Ferreira Andrade, Graduando do II semestre de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

 

Estrangeiro – O mais radical processo para acabar com qualquer espécie de discurso é isolar cada coisa do seu conjunto, pois o discurso só nos surge pronto pelo entrelaçamento recíproco das partes.

Teeteto – É a pura verdade.

(PLATÃO. O Sofista. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA, 1980, p. 92)

A proporção dos sentidos é um dos traços marcantes das civilizações cuja formação do imaginário é bem constituída. Distinguir entre bem e mal, simples e elevado, popular e clássico conferem senso de dignidade e pertença àqueles que embebem dessa fonte. A proporção de juízo, capacidade inibitória nesta cultura são encarregadas de um senso moral, por vezes ligado à tradição. Tal condição nos difere dos animais e nos elevam à qualidade de seres pensantes.

No nosso tempo (chronos) todas as mudanças têm um ponto de partida, em âmbitos culturais, isso se deu por Homero. Suas epopeias incluem na vida humana os deuses semelhantes a nós, mas também o nosso lado indigno e até mesmo animal. As penas físicas da vida e os sentimentos. Em seus escritos o cerne é a batalha, de tal modo que fez com que os gregos se distinguissem dos outros povos da antiguidade, rasgou-se o véu que tampava as vistas cegas do “homem velho”, o cânone do ocidente era iniciado:

“A Ilíada e a Odisseia eram usadas nas escolas gregas como livros didáticos; não da maneira como nós outros fazemos ler aos meninos algumas grandes obras de poesia para educar-lhes o gosto literário; mas sim da maneira com que se aprende de cor um catecismo […] Os Versos de Homero serviam para apoiar opiniões literárias, teses filosóficas, crenças religiosas, sentenças nos tribunais, moções políticas etc.” [1]

Ao longo da história as ideias continuamente foram submetidas ao que os gregos chamavam de dialética (ato de filosofar que pretende chegar à verdade através da contraposição e reconciliação de contradições), o que significa que por um desgaste natural, muitas coisas se perderam ou se desgarraram daquilo que um dia consistiam em hábitos essenciais. A cultura deixou de ser uma essência e tornou-se um elemento cotidiano.

Como?

“- Se você não estudar, não vai passar num concurso público.”

A escolarização nos tempos antigos consistia na transmissão de um legado de tradições e pensamentos, como dizia G.K Chesterton: “A educação é simplesmente a alma de uma sociedade a passar de uma geração para a outra. Os estudantes eram aculturados e recebiam o que havia de melhor que a humildade presente podia lhes oferecer. A tradição portanto não era o culto às cinzas, mas a perpetuação do fogo aceso”.

Em meados do século XVII um homem chamado René Descartes elaborou um sistema filosófico que dispensava qualquer acumulação do saber passado, Je pense, donc je suis (Penso, logo existo). O homem era o centro de seu próprio saber, seu juiz. Era necessário duvidar de tudo aquilo que já estava estabelecido, exceto da sua própria dúvida. É possível chegar ao conhecimento absoluto, afirmava ele.

A decadência da cultura se deu a partir do momento em que os homens deixaram de mergulhar no universo do saber, de discuti-lo, de compreendê-lo e absorvê-lo. A educação moderna juntamente com a abordagem sociológica da cultura reduziu a universalidade do saber a currículos previamente moldados, onde o caráter probatório do conhecimento perpassa por provas e testes impessoais, anulando toda a potencialidade do saber. De veras, tal ação esterilizou a liga que mantinha o presente conectado ao passado e estreitou o consciente e a perca do imaginário, não só da massa, mas também das elites, sejam elas sociais ou intelectuais.

A perca dos sentidos reduz o saber a um mero diploma, um status quo, um concurso público, um pedantismo, uma dialética viciosa onde, quanto mais incapaz o indivíduo se torna, mais difícil se torna a compreensão, porque tudo ao seu redor conspira para o definhamento. E assim, a cultura clássica se torna cada vez mais estéril, desprezada, como se fosse contos da carochinha, sem valor aparente e “aparentemente” superada pelo progresso do conhecimento, ou melhor “conhecimento absoluto” que tanto falava Descartes.

É já grande e necessária prova de inteligência ou perspicácia saber o que se deve perguntar de modo racional. Pois que se a pergunta é em si disparatada e exige respostas desnecessárias tem o inconveniente, além de envergonhar quem a formula, de por vezes ainda suscitar no incauto ouvinte respostas absurdas, apresentando assim o ridículo espetáculo de duas pessoas, das quais (como os antigos diziam) uma ordenha o bode enquanto outra apara com uma peneira. [2]

Kant afirma que o conhecimento se inicia nos sentidos, mas que a sua estrutura organizadora permite que os dados se passem por inteligíveis. Sendo assim, podemos presumir que uma cadeira serve para sentar, mas ao abstrairmos o sentido literal, perceberemos vários sentidos imateriais que constituíram a formação desse bem: o trabalho nele empregado, a mais valia etc. O conhecimento surge no “sentar”, mas não se restringe a ele.

Ao se presumir a competência de um curso superior, entende-se que o indivíduo adquirirá um saber superior ao do resto da sociedade, sendo superior. Por lógica notamos que não poderá haver uma igualdade. Por não existir a igualdade, quem tem educação superior carrega um senso de dever social muito maior. O cogito cartesiano reduziu a sensibilidade do saber a indagações sobre a própria existência humana, a perca do sentido histórico e pertença a civilização. A mercantilização do conhecimento envaideceram o saber, desvirtuando do seu primeiro objetivo: o servir.

Afirma Aristóteles: “A filosofia nasce do espanto”, e espantosa também é a situação do saber. Mercados vendendo a totalidade do conhecimento nas mais diversas áreas, criando uma legião de iletrados com diploma e pompa esbravejar: Eu sou formado, mestre, doutor… eu passei no concurso…

Numa ânsia em atender o mercado, a universidade que beirava o reducionismo por conta das influências do pensamento Iluminista (séculos XVII a XIX), massificou-se, saturando a sociedade de tal modo que as meras relações econômicas de oferta x demanda não estão comportando mais a quantidade de titulados. E num ato totalitário, diversos conselhos começam a exigir barreiras para o acesso ao curso superior, de maneira financeira, começou-se a perceber que a responsabilidade superior não pode ser massificada, centralizada.

https://www.oab.org.br/noticia/56956/oab-requer-ao-ministerio-da-educacao-a-suspensao-de-novos-cursos-juridicos-por-cinco-anos

https://oglobo.globo.com/sociedade/abertura-de-novos-cursos-de-medicina-ficara-suspensa-por-cinco-anos-22560806

Pierre Bourdieu (A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007) afirma que (1) “relações objetivas entre os produtores de bens simbólicos”; (2) “relações objetivas entre os produtores e as diferentes instâncias de legitimação”, as academias, os museus, os círculos eruditos e o sistema de ensino, por exemplo; (3) “a cooptação por instâncias mais ou menos institucionalizadas”, como os círculos de críticos, salões, grupos mais ou menos reconhecidos, organizados em uma editora, uma revista, um jornal, um think tank.”(p.118).

O pensamento cartesiano elevou a percepção de ascensão social das classes mais baixas como nos relata a música da banda Brincante do Forró:

“Estudei bastante, estudei bastante
Passei vestibular, e também na faculdade
Agora eu sou, eu sou um engenheiro
Passei na profissão para ter muito dinheiro

Vou comprar uma Hilux toda equipada
Pra dar cavalo de pau pela rua da cidade”

Entretanto, toda ideia que entra na ordem da realidade se transforma no seu contrário, como afirmara Hegel. Mas a flexibilização do ensino superior não nos tornou uma potência educadora, tampouco permitiu que fôssemos mais competitivos economicamente, este foi um grande desmonte para que o ensino superior se deteriorasse. Correntes de pensamento como pós-modernismo, estruturalismo, emergiram nos corredores acadêmicos num ímpeto de formular a ideologia igualitária que se desgastava pelo combate com o mundo real. Sendo assim, o pensamento crítico, Cogito, ergo sum, manifestou-se como uma amarra ideológica, que contesta a tudo e a todos, menos a si mesma.

http://www.abe1924.org.br/56-home/257-brasil-fica-em-penultimo-lugar-em-ranking-global-de-qualidade-de-educacao

https://www.infomoney.com.br/blogs/economia-e-politica/um-brasil/post/7526665/brasil-uma-tragedia-quanto-liberdade-economica

O conhecimento deve ser universalizado e repartido entre os homens, não se prende a instituições. A internet é a maior biblioteca do mundo, está acessível a todos e pode permitir um grande progresso em todos os sentidos.

Presumir que todo o conhecimento possa ser colocado à disposição de uma única mente, do modo como presumimos que ele pode estar disponível para nós, como economistas dedicados a analisar uma questão, equivale a fugir do problema e menosprezar tudo que é importante e relevante no mundo real.” [3]

Ora, o momento oportuno não é o de perguntar: “Quid est Veritas?” o período de dúvidas já mostrou-se verdadeiramente como uma idade de trevas, a era da informação é cruel com aqueles que a todo custo tentam impor suas amarras às novas gerações. A educação prussiana mecânica e pragmática tem se mostrado ineficiente, formando bacharéis e criando desempregados. A crença religiosa do ensino superior, que é necessário para ser alguém na vida, a maioria dos estudantes não sabe o que quer da vida, mas pelo fato de ver uma multidão caminhando rumo à universidade, partem sob efeito manada.

Todo o sistema educacional vigente foi elaborado por e para professores; os métodos, a ideologia, tudo isso serve para retroalimentar um programa de criação de professores “mirins”, onde a ministração do conhecimento é feita numa sala de aula com luzes fluorescentes altamente depressivas com um aglomerado de pessoas sem interesse em discutir o “sexo dos anjos”.

Qual é a solução então? Com o hiato temporal dos modelos prussianos é necessário regressar até o ponto em que perdemos a “liga” entre o passado e o presente, levando em conta todo o bem produzido nessa época de dúvida.

Referências:

[1] Otto Maria Carpeux; A Literatura Greco-Latina por Carpeux

[2] Immanuel Kant; Crítica da Razão Pura

[3] Friedrich Hayek; O Uso do Conhecimento na Sociedade

Imagem: pixabay.com

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