InQ.IFBA Portal da Inovação & Qualidade
por: Rita de Cássia Oliveira Lima Alves
Nos primeiros anos escolares, guardava eu uma forte empatia com os assuntos relacionados a espaço geográfico, locais, cidades, montanhas, mares, os quais me direcionavam, desde criança, a um dos maiores prazeres da vida… viajar. E eu viajava pelo mundo, ainda que em pensamento, sobretudo quando ficava totalmente absorvida pelas aulas do Professor Durval Menezes. Muitos anos mais tarde, estava eu novamente às voltas com essa experiência fantástica, quando resolvi cursar Doutorado. Não sei quem buscou quem ou quem encontrou quem. Fato é que, ao manifestar interesse no aprimoramento das minhas atividades acadêmicas, a Universidade na qual leciono –
UESB – disponibilizou, em 2008, um convênio para seleção de Doutorado em Geografia pela Universidade de Barcelona, na Espanha. Envolvida em toda a minha vida acadêmica com termos relacionados à gestão, empreendedorismo, qualidade, produtividade, sistemas e outros tantos, estava agora, atraída que fui pelo “conjunto da obra”, partindo para um outro tour, ou seja, Barcelona, Geografia, Espanha, Doutorado. Me “entreguei”, assim, a essa grande “viagem da vida”. Eu e a Geografia. A Geografia e eu. Ali estávamos nós novamente, depois de anos, em um reencontro que mudaria minha forma de ver a vida.
O primeiro grande fruto foi a finalização de uma tese, a qual me ocupou por quatro intensos anos. Viajei literal, física e emocionalmente pelo bom Sudoeste baiano. Até então, não imaginava eu que a maior viagem da minha vida seria para essa região que pensava conhecer como a “
palma da mão”. Para tanto, revisitei as terras em que nasci, o ar que eu sempre respirei, as ruas que sempre caminhei, as estradas que costumava percorrer, enfim, a cultura cidadã que por toda a minha vida vivenciei. Eu não sabia, mas essa viagem me aguardou por longos anos, talvez para que eu alcançasse a idade adulta, além de uma certa maturidade, quando, ingenuamente imaginava eu, não havia muito mais a aprender.
Ao longo do Doutorado, os créditos teóricos cuidaram de abrir o caminho da redescoberta. Os mestres catalães se esmeravam em aproximar os idiomas português e espanhol para que nós, os 25 alunos selecionados, pudéssemos nos apropriar de conhecimentos até então nunca imaginados. Aulas intermináveis, trabalhos intensos, seminários, eventos, leituras incontáveis, visitas de campo, tudo valia para enriquecer nossa experiência. Assuntos relacionados à planificação territorial, urbanização, cidades, desertos, incêndios, clima, gestão ambiental, desenvolvimento social e econômico, dentre outros, assumiam frequentemente nossas pautas de discussão, aprendizado e geração de conhecimento. Originária da graduação e mestrado na Área de Administração, mas sempre crédula dos conceitos inter e transdisciplinares, passei períodos intensos buscando aproximar Administração e Geografia, para gerar o que poderia se tornar a minha pesquisa, em constante interlocução com o meu orientador, o Professor Luzón. Este me alertava que compreender a realidade local, correlacionada à interação regional em seus âmbitos sociais, demográficos e econômicos, me levaria a conhecimentos nunca antes aprofundados. Surgia assim, os primeiros passos para uma viagem que suscitou muitas indagações e transformações.
Experiente, Luzón tinha uma suspeita, que, após longas conversas e reflexões, se aproximaria da hipótese do meu trabalho, tal foi a sua capacidade de exercer, com maestria, o seu papel de instigador nessa trajetória. Se, por um lado eu queria demonstrar que Vitória da Conquista é uma cidade empreendedora, com muitas oportunidades de trabalho, emprego e renda, para ele, ainda que se verificasse a influência regional desta cidade, o que a destacava era a fragilidade do seu sistema social. Tal fragilidade impactaria fortemente na região, ora direta, ora indiretamente, no processo de melhoria das condições de vida da sua população. Esta condição, inclusive, dificultaria, significativamente, a consolidação do seu papel de cidade catalisadora e disseminadora de políticas geradoras de reais melhorias na qualidade de vida da população residente em sua região de influência.
Eu, ainda inconformada com a possibilidade de perceber a minha apaixonante Vitória da Conquista como uma cidade frágil, buscava compreender também por que a “minha” cidade tinha que ter o “compromisso” de influenciar, positivamente, outras cidades. Foi aí que percebi, aos poucos, que o primeiro conceito a ser compreendido e apreendido era sobre “Cidade Média”.
Curiosa e questionadora, me sentia motivada o suficiente para descortinar esse universo a cada leitura, conversa, investigação, a cada descoberta, sobretudo porque ao longo desse percurso, tive o privilégio de contar com o apoio de ilustres estudiosos dessa região, a exemplo do Professor Jânio Santos. Não demorei a perceber que um estudo desta natureza exige a percepção das mais variadas dimensões que envolvem a caracterização de uma cidade média. O esforço em compreender o papel regional de uma cidade média, ante seus aspectos demográficos, econômicos, ambientais, de infraestrutura e sociais, evoluía, adquirindo mais significado se analisado com vistas a buscar, entre outras, a mais essencial das respostas a este questionamento: como estes elementos interagem entre si de forma a prover melhores condições de vida para a população? Tal questionamento parecia indicar uma possibilidade de resposta à “fragilidade social” de Vitória da Conquista e que só fazia sentido analisá-la à luz da Região Sudoeste. Atenta às concepções sobre cidades médias ora apreendidas, busquei estabelecer essa relação com as condições sociais e econômicas em que vive a população da região desta cidade que muito me dizia sobre a vida.
Ademais, um fato curioso me chamava a atenção. Por meio das diversas leituras, fui descobrindo que recorrentes estudos apontam que as cidades médias podem ser vistas como “paraísos” de um sistema urbano, tendo em vista que estas sinalizam para a presença de uma qualidade de vida superior às cidades de menor e maior porte. Nessa perspectiva, as motivações acentuavam-se em direção a investigar, no âmbito de Vitória da Conquista e região, em que termos essa realidade se reproduziria e em que situação/momento tais estudos contrariariam a realidade de tantas outras cidades que não se incluiriam nessa percepção.
Os questionamentos não pararam e já se materializavam em perguntas. Qual a posição que Vitória da Conquista assume na escala local/regional, frente às demandas sociais e econômicas da sua região? Estaria Vitória da Conquista apta a atender às demandas da sua região de influência? A cidade demonstra um histórico de crescimento e desenvolvimento, de forma a identificar o grau de influência que esta estabelece com a sua região? Qual o impacto na melhoria de vida da população de Vitória da Conquista e sua região de influência, enquanto cidade média, ante um quadro de fragilidade social presente no seu sistema urbano-regional?
Mapear esta realidade implicaria revisitar as características e contradições às quais está exposta a região da qual “Conquista” faz parte. Na condição de cidade média, a análise de Vitória da Conquista será realizada ante a sua principal região de influência. Compreender, ainda, o impacto das condições históricas, econômicas, políticas, correlacionando-as à dinâmica espacial da Região Sudoeste da Bahia e sua cidade-pólo regional, nos indica, certamente, o seu real papel como cidade média. Esse é o propósito deste livro. Estaremos, a partir de agora, a um passo de descobrir que região é essa, que terrítório é esse, que cidade é essa.
Adentraremos ao livro, expressando, em linhas gerais, as bases conceituais sobre cidades médias. Para tanto, refletimos sobre os seus conteúdos e papéis sob a perspectiva da qualidade de vida dos seus moradores, considerando o processo de urbanização no mundo e no Brasil. Analisa-se, assim, a influência crescente das cidades médias no contexto da rede urbana, buscando compreender o seu real papel ante uma perspectiva social. Em seguida, analisamos os aspectos históricos e físicos da Região Sudoeste da Bahia, considerando as relações estabelecidas entre os 39 municípios que fazem parte dela. Tais aspectos revelam-se essenciais à compreensão das condições em que se estabeleceram a qualidade de vida dessa região, ao longo do tempo, sob tal perspectiva. Na sequência, nos permitimos um olhar mais próximo sobre os aspectos demográficos de Vitória da Conquista e da Região Sudoeste. Dessa forma, identificar suas dinâmicas demográficas, além dos aspectos históricos e físicos que a envolvem, possibilita uma análise mais aproximada a partir dos seus fatores populacionais. Seguidamente, realizamos uma reflexão sobre os fatores econômicos e a dinâmica de mobilidade. Aqui poderemos nos aproximar da estrutura setorial de Vitória da Conquista e região, de forma a obter mais alguns elementos que nos permitam seguir rumo a esse universo que ora se descortina. Ademais, compreenderemos como se estrutura a dinâmica espacial da região. Por fim, nos conduzimos, de forma cuidadosa e agradecida, às novas descobertas sobre Vitória da Conquista, a sua região, o seu povo, o meu povo, sob a ótica da qualidade de vida. Tal condução considera a conjuntura em que as correlações empíricas e teóricas permitam uma análise contextualizada das principais evidências desse aspecto.
Sigamos, então.
